No mundo corporativo atual, onde a reputação e o Compliance são cruciais, as empresas buscam formas eficazes de mitigar riscos e garantir a integridade de seus quadros. Afinal, a alta rotatividade de pessoal no Brasil intensifica o risco: o país registra um dos maiores índices de turnover globais.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e análises complementares apontam que a taxa de rotatividade anual no mercado de trabalho brasileiro atinge patamares entre 51,3% e 56%, o que significa que mais de 1 em cada 2 colaboradores foi desligado ou pediu demissão em um ano. Um dos principais fatores por trás deste cenário é o desalinhamento inicial do profissional com a cultura e os valores da empresa — um problema que o Know Your Employee (KYE) busca resolver desde a raiz.
O KYE e o contexto de vulnerabilidade corporativa
É nesse contexto de alta vulnerabilidade que a prática do KYE — ou “Conheça seu Colaborador” — ganha destaque, não apenas como uma diretriz de gestão, mas como uma ferramenta essencial de Compliance Trabalhista e prevenção de ilícitos.
Mas, afinal, o que é o KYE, e como a legislação brasileira equilibra a necessidade de segurança da empresa com os direitos de privacidade do trabalhador?
O que é o KYE e por que ele importa?
O Know Your Employee (KYE) é um conjunto de procedimentos de due diligence (diligência prévia) e monitoramento contínuo, aplicados tanto a candidatos quanto a colaboradores já contratados. Seu principal objetivo é identificar e mitigar riscos associados a fraudes, desvios de conduta, lavagem de dinheiro, corrupção e outros atos ilícitos que possam prejudicar a empresa legalmente, financeiramente ou reputacionalmente.
Em essência, o KYE busca responder à pergunta:
“Quem é essa pessoa e que riscos ela representa para o meu negócio?”
Principais benefícios do KYE
1. Prevenção de fraudes e ilícitos
Ao checar o histórico, a empresa reduz a chance de contratar indivíduos com antecedentes que possam levar a crimes financeiros, desvios de recursos ou vazamento de informações confidenciais.
2. Conformidade legal (Compliance)
Ajuda a empresa a cumprir regulamentações específicas, especialmente em setores como o financeiro, que possuem rigorosas regras de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).
3. Segurança da Informação
Garante que dados sensíveis e sistemas críticos sejam acessados apenas por colaboradores de alta confiança e histórico verificado.
4. Redução de passivos trabalhistas
A verificação de antecedentes profissionais pode, dentro dos limites legais, identificar padrões de risco jurídico (como histórico de múltiplas ações trabalhistas), permitindo decisões de contratação mais informadas.
O limite jurídico: o que o KYE PODE e NÃO PODE fazer no Brasil
A implementação do KYE no Brasil é profundamente influenciada por duas importantes normas: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018).
O desafio é traçar uma linha tênue entre a legítima proteção da empresa e a inviolabilidade da intimidade e privacidade do trabalhador, direitos garantidos pela Constituição Federal e pela CLT.
Para Elen Samanta Garcia Moreira, especialista em direito do trabalho e processo do trabalho:
“A implementação do Know Your Employee (KYE) é juridicamente válida no Brasil, desde que observados os limites impostos pela Constituição Federal, pela CLT e pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).
O KYE deve ter finalidade legítima, como a prevenção de fraudes e o cumprimento de obrigações de compliance, mas sem violar a privacidade, a dignidade ou promover discriminação.
Toda coleta e tratamento de dados devem respeitar os princípios da necessidade, proporcionalidade e transparência, sendo vedadas práticas abusivas, como exigência indiscriminada de antecedentes criminais ou uso de informações pessoais sem pertinência com o cargo.
Implementado com responsabilidade e base legal adequada, o KYE constitui instrumento legítimo de gestão de riscos e de proteção corporativa, em equilíbrio com os direitos fundamentais do trabalhador.”
O que é PERMITIDO (Com Cautela Legal)
- Consulta de Antecedentes Criminais:
É excepcional e só lícita onde a natureza do cargo justifica o risco (Ex: manuseio de dinheiro, segurança patrimonial, acesso a dados altamente confidenciais), conforme consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). - Consulta em Listas Restritivas (PEP, Sanções, PLD/FT):
Essencial para empresas reguladas, visa identificar Pessoas Expostas Politicamente (PEP) ou envolvimento em atos ilícitos por Obrigação Regulatória e prevenção. - Consulta de Histórico Trabalhista (Processos):
Deve ser feita em fontes públicas, com Finalidade Específica de avaliar riscos jurídicos, sem finalidade discriminatória. - Monitoramento do Comportamento no Trabalho:
O monitoramento de e-mails corporativos, uso de sistemas ou redes sociais (em veículos corporativos) deve estar previsto em Política Interna e com o conhecimento do colaborador. - Tratamento de Dados Pessoais:
Todos os dados devem ter uma Base Legal (LGPD) e ser utilizados apenas para a finalidade específica e legítima informada ao titular.
O que é PROIBIDO (Práticas Discriminatórias)
- Exigir certidão de antecedentes criminais para todos os cargos.
Gera dano moral e viola o princípio da não discriminação. - Consultar dados de saúde, orientação sexual, convicção política ou religiosa.
Violação da intimidade, da vida privada e prática discriminatória. - Monitorar redes sociais pessoais sem relação com o trabalho.
Violação da privacidade e intimidade do empregado. - Coletar ou tratar dados em excesso ou sem base legal (LGPD).
Sujeita a empresa a sanções da ANPD e processos de danos morais. - Exigir Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) ou SPC/Serasa.
Considerado discriminatório, salvo se for comprovadamente inerente ao risco do cargo.
O posicionamento da justiça: exemplos de jurisprudência
A jurisprudência brasileira, especialmente a trabalhista, tem sido o principal balizador da legalidade do KYE no país.
O entendimento predominante é que a verificação de antecedentes não pode servir como instrumento de discriminação.
1. A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais
O caso mais emblemático é o da exigência de certidão de antecedentes criminais.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) pacificou o entendimento de que esta prática é, em regra, abusiva e discriminatória, gerando o dever de indenizar por dano moral.
Precedente Jurisprudencial Consolidado (TST):
O TST tem decisões reiteradas no sentido de que a exigência de certidão de antecedentes criminais só é legítima quando houver previsão em lei ou for justificada pela natureza do cargo, como no caso de empregados domésticos, bancários, cuidadores de idosos, motoristas de transporte de carga ou passageiros e profissionais que manuseiam substâncias tóxicas ou entorpecentes.
Para a maioria dos cargos, a prática é ilegal.
Exemplo prático:
- Lícito (Justificado): Exigir certidão de um candidato a caixa de banco ou vigilante patrimonial.
- Ilícito (Discriminatório): Exigir certidão de um candidato a analista de marketing ou recepcionista (cargos sem risco inerente).
2. O equilíbrio da LGPD
Embora ainda não haja um grande volume de jurisprudência sobre KYE e LGPD, o consenso é que o KYE deve ser Data Protection by Design.
Ou seja, todo o processo deve ser pensado desde o início para respeitar os direitos do titular:
- Necessidade e Adequação: Coletar apenas os dados estritamente necessários para o cargo.
- Transparência: Informar claramente ao candidato ou empregado quais dados serão coletados e para qual finalidade.
- Segurança: Adotar medidas de segurança para proteger os dados coletados.
Se uma empresa usa o KYE para rastrear uma doença do candidato ou sua vida amorosa, e usa isso como critério de desempate, ela viola a LGPD e a legislação trabalhista, pois a finalidade da coleta é discriminatória e ilegítima.
Conclusão: KYE é Gestão de Risco com Responsabilidade
O Know Your Employee é uma ferramenta de gestão de riscos poderosa e necessária no contexto do compliance moderno.
No entanto, sua eficácia e legalidade no Brasil dependem diretamente do equilíbrio entre a segurança da empresa e os direitos fundamentais do colaborador.
Implementar o KYE de forma correta não é apenas uma obrigação de compliance, é um ato de responsabilidade corporativa que protege a empresa sem violar a dignidade e a privacidade de seus talentos.
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